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"(...)A máscara selando a boca do sujeito negro impede o
senhor branco de ouvir
àquelas verdades que ele quer 'jogar fora', 'manter à distância', nas margens,
invisíveis e 'quietas'. Por assim dizer, ela protege o sujeito branco de ouvir 'outras' verdades e de reconhecer 'outro' conhecimento.
Uma vez confrontado com os segredos coletivos da opressão racista e
partes daquela história tão suja⁶, o sujeito branco comumente
argumenta: 'não saber...', 'não entender.. ', 'não lembrar...' ou 'não
acreditar...' Tais expressões são parte desse processo de repressão, pelo qual
o sujeito branco resiste tornar a informação inconsciente, consciente; ou seja,
se quer fazer do conhecido, desconhecido.
Repressão é, nesse sentido, a defesa pela qual o ego
controla e exerce censura do que é instigado como uma verdade 'desconfortável'.
Eles dizem que são sabem! Mas se eu sei, eles também devem saber uma vez que
nós coexistimos no mesmo cenário. Eles dizem que nunca ouviram sobre isso! Mas
como, se nós temos falado sobre isso há 500 anos?! Quinhentos anos é um tempo
muito longo. O que eles querem saber? E o que eles querem ouvir?
Num discurso público, Paul Gilroy⁷ descreve cinco mecanismos diferentes de defesa do ego pelos quais o
sujeito branco passa a fim
de tornar-se consciente da sua própria branquitude e de si mesmo como um agente
do racismo: recusa / culpa / vergonha /
reconhecimento / reparação. Embora Gilroy não tenha explicado essa corrente
brilhante de mecanismos de defesa do ego, eu gostaria de fazê-lo aqui, uma vez
que isso é tanto importante quanto esclarecedor.
A recusa, como escrevi
anteriormente, é o mecanismo de defesa no qual o sujeito recusa que ele/ela
tenha tais sentimentos, pensamentos ou experiências, mas continua a afirmar que
alguém tem. A informação original - "Nós estamos tomando o que é
deles," "nós somos hostis em relação a estrangeiros," "eles
tem boas razões (históricas) para ter medo de nós," " nós tínhamos
colônias" ou "nós somos racistas" - é recusada e projetada sobre
os 'outros': "eles estão tomando o que é nosso," "estrangeiros
são hostis em relação a nós," "nós temos medo deles," "eles
estão invadindo nosso país" ou "eles são racistas." A recusa é
frequentemente confundida com negação; estes são,
entretanto, dois mecanismos diferentes de defesa do ego. Neste último, um
sentimento, pensamento ou experiência é admitido à consciência na sua forma
negativa (Laplanche & Pontalis 1988). Por exemplo: "nós não estamos
tomando o que é deles," "nós não somos hostis a estrangeiros,"
"eles não tem nenhuma razão para ter medo de nós," "nós não
tivemos colônias" ou "nós não somos racistas."
Depois da recusa, vem a culpa, o sentimento que
segue a violação de uma injunção moral. O sujeito não tenta afirmar nos outros
o que ele teme em reconhecer nele mesmo, como na recusa, mas ao invés disso,
está preocupado com as consequências da sua própria violação: 'acusações,'
'culpa,' 'castigo'. Isso é, portanto, um conflito entre seus próprios desejos
agressivos em relação ao outro e o superego (autoridade). Culpa difere de inquietação no que inquietação é experimentada com relação a uma ocorrência
futura, tal como a inquietação criada pela ideia de que racismo deveria ser
falado ao invés de ser mantido em silêncio. A culpa é experimentada em relação
a um ato já cometido, ou seja, o racismo foi falado e realizado, criando a
culpabilidade. A resposta à culpabilidade é a descrença, como o sujeito branco poderia
dizer: "não foi aquilo que queríamos dizer," "não leve isso tão
a sério," "você entendeu errado," "para mim, não existe
preto ou branco, somos todos
apenas seres humanos." De repente, o sujeito branco investe emocionalmente na ideia de que "'raça' não é o que
realmente importa," como uma estratégia de reduzir os agressivos desejos
inconscientes em relação aos 'outros' e o sentido de culpa.
A vergonha, por outro lado, é
o medo do ridículo, resposta à incapacidade de viver para o ideal de um ego.
Enquanto a culpa ocorre se alguém transgride uma injunção originada fora de si,
vergonha ocorre quando se falha na tentativa de atingir um comportamento que
estabeleceu para si mesmo. Vergonha está, desse modo, intimamente ligada ao
sentimento de introspecção.. É provocada por experiências que nos leva a
questionar nossas pré-concepções sobre nós mesmos e nos compele a olhar a nós
mesmos através dos olhos dos outros, ajudando-nos a reconhecer a discrepância
entre a percepção de outras pessoas sobre nós e nossa auto-concepção:
"Quem eu sou? Como os outros me vêem? E o que eu represento?" O
sujeito branco percebe que a
percepção que os negros tem sobre a branquitude é diferente da sua
auto-percepção. Eles são constantemente surpreendidos quando ouvem o povo negro
definindo a brancura como uma identidade
privilegiada, o que significa poder e alerta - vergonha como resultado desse
conflito.
Reconhecimento segue a
vergonha; é o momento em que o branco reconhece a
sua própria branquitude e racismo. É, assim, um processo de ratificação.
Finalmente se reconhece a realidade aceitando a realidade e a percepção de
'outros'. Reconhecimento é, nesse sentido, a passagem da fantasia para a realidade
- já não é mais uma questão de como eu gostaria de ser visto e sim, quem eu
sou; não o que eu gostaria que os 'outros' fossem, mas quem eles realmente são.
Reparação, então, é a negociação do reconhecimento. Negocia-se a realidade.
Nesse sentido, é o ato de reparar os danos causados pelo racismo, abrindo mão
de seus privilégios e mudando estruturas, espaços, posições, dinâmicas,
relações subjetivas, vocabulário. Essas cinco etapas revelam a
consciência branca não como algo
estático mas como um processo que demanda trabalho. Desse modo, ao invés de
perguntar a questão habitual: "Eu sou racista?" e esperar uma
resposta confortável, o sujeito branco deveria perguntar, preferencialmente:
"Como eu posso desmantelar meu próprio racismo?".
Enquanto esses processos, entretanto, não acontecem a
fim de negar o conhecimento de si mesmo como responsável, o sujeito branco silencia o sujeito negro, mantendo a fantasia de que apenas seu
próprio discurso revela a verdade autêntica e universal, enquanto nosso discurso
é uma interpretação duvidosa da realidade, não imperativa o suficiente para ser
falada tampouco escutada. Falar se torna praticamente impossível. Essa
impossibilidade ilustra como falar e silenciar emergem com um projeto análogo.
O ato de falar é como uma negociação entre quem fala e aqueles que escutam,
entre o sujeito falante e seu ouvinte (Castro Varela & Dhawan 2003). Ouvir
é, nesse caso, o ato de autorização em relação a quem fala. Dentro desse
dialeto, aqueles que são ouvidos são aqueles que 'pertencem'. E aqueles
que não ouvidos, se tornam aqueles que
'não pertencem'. A máscara re-cria esse
projeto de silenciar, controlar a possibilidade de que o colonizado possa, um dia, se escutado e consequentemente pertencer ao centro."
Notas Uma sentença comumente usada por Toni Morrison para descrever seu
trabalho artístico. Como ela afirma, seus escritos trazem à tona o tão falado
‘negócio sujo do racismo’ (1992). Paul Gilroy é autor de Atlântico Negro.
Trecho da introdução do livro Memórias
da Plantação - Episódios de racismo cotidiano, de Grada Kilomba.
Equipe: Preta&Gorda
Triste ver que no Brasil as pessoas ainda se recusam a ver que o racismo existe, mesmo com tantos indicadores numéricos fortíssimos.
ResponderExcluirExemplo: A grande e esmagadora maioria dos pobres (substitua "pobres" por "detentos", "fichados na polícia", "analfabetos", "evasores das escolas", "moradores de rua" ou qualquer outra situação de exclusão social) são negros, e isso é herança maldita de uma abolição da escravatura (mal) feita no Brasil, em que escravos foram jogados de suas senzalas para passar fome nas ruas.
Mesmo se o discurso fosse diferente, ainda haveria algum motivo para discussão, levantado por pessoas que têm interesse na manutenção das coisas do jeito que estão. Pessoas que ainda estão no momento de RECUSA.