Entrevista ao Blog Mulherão
Compartilho com vocês entrevista da nossa equipe, ao Blog Mulherão.
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Preta e gorda
Por Renata Poskus Vaz
Hoje é comemorado o Dia da Consciência Negra
em diversas cidades do País. Como se trata de um ponto facultativo, nem
todas as cidades aderiram ao feriado. Mas uma coisa é certa, nesse dia
20 de Novembro, sites, blogs e demais redes sociais estarão inundadas de
matérias sobre preconceito, direitos e conquistas de cidadãos
brasileiros da raça negra. Hoje, todo mundo virará militante da causa
negra de carteirinha.
Lidiane Machado
Eu não queria ser mais uma dessas, só
mais uma blogueirazinha cumprindo sua média social, criando uma matéria
para esta data, sem ter feito nada antes para contribir com a discussão
dessa temática. Há semanas, por sugestão de Lidiane Machado,
uma linda modelo plus size negra carioca, já vinha rabiscando um artigo
sobre este tema. Entrevistei algumas pessoas e pedi que me enviassem
suas respostas antes do dia 20, para evitar a coincidência. Hoje, recebi
uma das respostas. Logo pensei, chateada: “poxa, só agora fui
receber?”. Acho que estava sentindo um medo danado de publicar algo hoje
e todo mundo achar que só estava escrevendo porque era o Dia da Consciência Negra.
Talvez, até sentisse minha consciência branca um pouco pesada: “eu não
poderia ter abordado mais sobre racismo em meu blog nesses últimos 4
anos? Não poderia ter ajudado mais? Fui deixar para falar sobre isso
somente agora?”. Porém, entre falar e me calar, entre contribuir e
ignorar, eu preferi agir!
Ao longo dessa semana, vou publicar
inúmeras entrevistas com profissionais negras e gordas. Mas a primeira
delas, a de hoje, é uma das mais especiais para mim.
Faz algum tempo que eu encontrei no Facebook uma comunidade chamada Preta&Gorda.
Sim, diretíssima, sem diminutivos e nenhum nhenhenhém. O nome pode
chocar os “politicamente corretos”, eu sei. Lembro de quando criei o Blog Mulherão e achava o cúmulo alguém ser chamado de Gordo.
Hoje, com uma autoestima um pouco mais elevada, percebi que os
diminutivos, como “gordinha”, “fofinha”, “cheinha”, podem ser muito mais
cruéis conosco e, ao invés de passar uma sensação de carinho, às vezes
transmitem a idéia de alguém pequenino como ser humano, digno de pena.
Porém, muita gente ainda não gosta de ser chamada de gorda, mesmo tendo
passado dos três dígitos da balança há muito tempo, fato.
Já de preta, há inúmeras
mulheres que se autointitulam dessa forma. Ou homens negros que de
forma carinhosa se referem assim sobre suas esposas. Todavia, uma mulher
branca não ousa chamar de preta outra mulher. Já me arrisquei uma vez e
ouvi: “preta é cor, negra é raça”. Aí você se sente a maior das
racistas e se cala pra sempre, até ver no Facebook uma comunidade
chamada Preta&Gorda.
Amber Riley, atriz e cantora, uma das imagens compartilhadas por Preta&Gorda
Preta&Gorda compartilha imagens e mensagens sobre mulheres gordas, negras, lindas e estilosas no Facebook,
para servir de exemplo para outras mulheres, que não encontram nos
catálogos e desfiles de moda mulheres da mesma raça. Você pode achar
que criar uma comunidade só para negras é racismo ao contrário. Então,
pare para pensar em quando surgiram os blogs de gordinhas aqui no
Brasil. Muita gente insinuou que as blogueiras GG estariam discriminando
as magras, ou se fechando em um mundinho paralelo, que só criaria mais
preconceito contra nós. E não foi o que aconteceu (com raras exceções,
claro). Conseguimos reunir forças, recuperar a autoestima e, finalmente,
sermos ouvidas. Uma nova comunidade reunindo e dando forças para as
gordas da raça negra é um progresso, um passo adiante dos que já demos
até então. Na minha opinião, alguns assuntos poderiam ser tratados na
comunidade de forma menos agressiva e com mais respeito às divergências
de opiniões (se bem que aqui no Blog Mulherão eu também não sou lá muito
maleável). Vi algumas brigas e algumas pessoas queridas, que muito
contribuem pelo crescimento do mercado plus size saindo magoadas de
discussões lá na Preta&Gorda. Porém, essa é só
minha opinião. E como sou só gorda, não sou negra, por mais que tente me
colocar no lugar daquelas que já foram discriminadas por conta da raça,
só posso ficar no campo da suposição. Jamais senti na pele esse tipo de
discriminação.
Entrevistei a Alessandra que, junto com o Maicon, administra a comunidade Preta&Gorda no Facebok. Leiam na íntegra:
Mulherão: Qual a motivação de criar uma página exclusiva para as mulheres acima do peso da raça negra?
Alessandra: Pra mim,
Alessandra, a princípio foi algo voltado para minha auto-afirmação. Sou
militante do Movimento Negro e sempre me indispus com todo este sistema
que excluí todos aqueles que são considerados “fora dos padrões”. Sou
gorda e sempre acreditei que não preciso mudar para agradar a ninguém a
não ser a mim mesma. Enquanto eu estiver bem comigo mesma, a opinião das
pessoas não tem de me importar. Como gorda, participava de grupos de
discussão na internet, tinha o meu próprio grupo, acompanhava as
postagens e tal, mas sempre notei uma exclusão já ali. Fotos de mulheres
eram postadas, mas as que tinham maior número de curtições e elogios
eram das moças brancas. As pretas, em geral, ou não se manifestavam, ou
não tinham o mesmo reconhecimento de todos (homens e mulheres) como
belas. Sempre fui muito crítica. Então, um belo dia, escrevi um texto de
desabafo no meu perfil do Facebook tocando neste assunto, sobre a
invisibilidade da mulher preta e principalmente quando ela é gorda. E
isso chamou a atenção de muita gente, inclusive de uma amiga que é fat
militante há anos. Começamos a conversar dentro deste contexto e ela,
mesmo sendo branca, reconheceu que existe uma mega exclusão das mulheres
pretas no meio Plus. Publiquei no Blog dela, e para minha surpresa, uma
chuva de moças pretas assumidíssimas começou a desabafar! Achei lindo!
Gosto do movimento do meu povo! Gosto quando eles vestem a roupagem de
luta! Foi aí que eu percebi, que este sentimento, estava abafado dentro
de mta gente. Então eu encaro a page como um desabafo de mais de 2.000
pessoas (em sua grande maioria mulheres) dizendo que existe algo de
errado e que precisa urgentemente ser acertado.
Mulherão: Qual a sua visão sobre o mercado de trabalho para as modelos plus size negras?
Alessandra: Nulo. Dentro
de um contexto amplo? Nulo. Tendo em vista o fato da população preta
ser maioria. Questão de números. Existem modelos pretas lindíssimas que
estão sem trabalho. Pessoas queridas com muito talento que não tem
oportunidade de trabalhar porque o mercado simplesmente não está aberto a
elas. Existem algumas pessoas que colocam pretas em seus catálogos,
mas, sinceramente? Se não for feita uma campanha séria que realmente
mova o mercado plus a abrir os olhos e as portas para as mulheres pretas
(e homens também), a inclusão das meninas será por cumprimento de Lei.
Nada mais além disso. Supondo que uma agência tenha 100 modelos, 10 são
pretas? Onde está a igualdade nisto? Onde está a representatividade das
moças dentro dos desfiles. Porque eu, como preta, sou obrigada a ser
representada por uma mulher branca, loira? Porque eu não posso me ver
também? Porque dizem para as moças que mulher preta não vende? Não
vende? Lembro-me que a uns anos atrás o papo era que gordo não vendia… E
olha aí todo mundo andando na moda! Agora preto não compra roupa? Quero
ver uma negra vestindo uma roupa legal, que combine com o meu jeito de
ser, com meu estilo, para que eu me veja também.
Mulherão: Eu li em alguns posts você
falando que a preferência de modelos brancas ao invés de negras para
estrelar catálogos é racismo. Na sua opinião, esse racismo é algo
enraizado ou acha que as grifes fazem de propósito?
Alessandra: Racismo
sempre está enraizado. Isso é algo que dificilmente mudará. De
propósito? Sim é de propósito, como o racismo é cultural a discriminação
por cor é o racismo em ação. Portanto, normal as grifes fazerem isso. O
racismo é simplesmente manutenção de poder caucasiano não deixando ter
acesso os pretos(as) em todos níveis sociais. Elas acham que realmente
não são racistas, mas excluem naturalmente.
Silvia Neves: ela se autointitula negra, mas a consideram clara demais para ser negra.
Mulherão: No Fashion Weekend Plus Size
há poucas modelos negras: Silvia Neves, Erica Calderal e Juliana
Ferreira. Elas se intitulam negras, mas muitas vezes são censuradas por
as considerarem muito claras para serem negras. O que acha disso?
Alessandra: Acho que o
orgulho de ser preta independe da sua tonalidade da pele. Até porque
aqui no Brasil, encontramos pretos e pretas em inúmeras pigmentações.
Isso é genética. O que verdadeiramente define sua negritude não é apenas
seus traços africanos, e sim o somatório destes traços com sua
afirmação e posicionamento político e afrocentrado dentro deste
contexto. Pretas que possuem pele mais clara mas que exalam e afirmam
sua negritude diante de toda adversidade que encontram dentro do
universo fashion, merece nossa total admiração! O que muitas pessoas não
conseguem entender é que uma pessoa se intitular preta, é mais do que
se orgulhar de quem é e de sua ancestralidade… É uma maneira também de
protestar contra todo sistema excludente que nos cerca, que quer
inclusive determinar quem somos e quais as ‘qualificações’ necessárias
para sermos ou não pretas. Quanto as pessoas que as censuram, estão
querendo chamá-las de mestiças. Uma forma sutil de diminuí-las e negar a
participação das moças como pretas. Quantas pretas já ouviram assim
“Não… Você não é preta! Que isso! Você é uma morena linda!”? Isso é uma
forma sutil de dizer que não existe beleza em ser preta. Que para você
ser aceita, tem de ser ‘morena’… Quanto mais “clarinha” você se afirmar,
mais a sociedade vai te aceitar. Só que se as meninas se consideram
pretas e batalham por representar as pretas, é como pretas que elas tem
de ser reconhecidas e nada menos que isto. Coibí-las é racismo.
Preterí-las também.
Quando se descreve como negra na internet, Erica Calderal também deixa muitas pessoas surpresas
Mulherão: No mercado tradicional, o
das modelos magrinhas, não é muito diferente. Você acha que o mercado
plus size também vai demorar para reconhecer as modelos negras? Qual a
sua sugestão para alterar esse cenário?
Alessandra: O meio
fashion é muito preconceituoso. Independente da forma física,
dificilmente vemos pessoas pretas fazendo parte de desfiles. Isso é uma
problemática antiga. Sim, o processo é lento… Muito lento. Mas não é
impossível. Os pretos tem esta marca de sempre ter de batalhar muito e
dobrado para conseguir um objetivo, e quanto a isto, não será diferente.
Sabemos disso. Minha sugestão é a auto-afirmação. O que temos feito na
nossa comunidade. As mulheres pretas precisam assumir-se pretas e
acreditar que tudo o que disseram sobre sua aparência não passa de uma
estratégia racista para diminuir nossa auto-estima. Isso é uma terrível
tática de guerra, que funcionou durante séculos, mas que felizmente
temos conseguido vencer. Temos de ter orgulho de nós mesmas e de nossa
raiz e lutar para que sejamos reconhecidas e respeitadas como somos e
pelo que somos. Acho que esta é a chave.
Juliana Ferreira, uma das modelos mais solicitadas pelas grifes do FWPS
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Todo esse processo para conseguir a
entrevista com a Alessandra foi bem difícil. Ela estava temerosa que sua
ideologia e viés político não fossem respeitados. Eu, uma simples
jornalista gorda, branquela e organizadora de um evento de moda plus
size que se enquadra nos citados por ela, com apenas 3 modelos negras em
um grupo de 28 modelos, tentei, a todo custo, provar que sei da
situação atual do mercado, que não concordo com ela e que estou disposta
a ajudar a mudá-la. Afinal, ao contrário de muita gorda que fica
sentada na frente do computador atacando, ofendendo e depreciando quem
se predipõe a fazer alguma coisa por nossas plus size, eu sempre estou
disposta a contribuir. Fiquei relatando minha experiência a frente do
Portal Negritude do qual fui editora, numa tentativa desesperada de
mostrar: “olha, sou legal, acredite em mim”. E é por este motivo que
colei suas respostas na íntegra.
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Lembro-me quando iniciei minhas atividades no Blog Mulherão e recebia alguns e-mails dizendo que eu era racista, porque no Dia de Modelo só havia participantes brancas. Uma bobagem! O Dia de Modelo
não é filantrópico, é um evento custeado pelas participantes e eu não
tinha como obrigar nenhuma negra a pagar e participar, e nem era essa
minha intenção. Notoriamente, naquele início, a participação de negras
era bem menor. Segundo Alessandra, esse fato poderia se justificar pelo
medo da rejeição. “A mulher preta por si só já tem auto-estima
baixíssima por conta do racismo e todas as formas de exclusão e perda de
identidade que ele acarreta. A mulher gorda de modo geral nem se fala…
Somos tidas como ET´S pelos demais… Então a mulher preta e gorda tem o
dobro de dificuldade de acreditar que é linda e que pode fazer o que bem
entender.”.
Já no Fashion Weekend Plus Size,
as marcas que desfilam são orientados por mim a privilegiar a
diversidade de raças em seus castings. Porém, a melhor forma das
confecções entenderem essa necessidade e ampliarem seus quadros de
modelos deve partir de vocês, consumidoras de moda plus size. Escrevam
para os estilistas e manifestem suas opiniões nas redes sociais. Claro,
de forma educada e construtiva, pois no momento em que a Militância vira
Ignorância, ela perde o seu efeito.
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