A Pretinha e o Pretinho
Por Taís Espírito Santo, para a +Preta Gorda
A pretinha, desde quando era pequenininha, seu papai
dizia: “ Pretinha, pretinha. Temos que nos valorizar, muita gente não vai
gostar de você por causa da cor da sua pele, seu cabelo, seus traços... Mas
você é linda”. E pretinha sempre falava: Papai, eu sou linda mesmo, hoje na
escola elogiaram meu cabelo, falaram que eu fico linda com tranças!
E assim, Pretinha cresceu. Seus pais sempre mostraram que negro é lindo, sempre ensinaram a Pretinha ter valor da sua origem, da sua gente, da sua cor. E, inclusive, o melhor seria que ela se casasse com um homem negro, para assim a família ficar toda unida, forte, e nada melhor do que um igual para fortalecer juntos o laço, a herança, a cultura e a história... E Pretinha virou mulher, estudou, namorou alguns rapazes, amou. Pretinha muitas vezes ouvia aquela história: “Ai, você está louca? Casar com um homem preto, e o cabelo do seu filho? Ela vai sempre ter esse cabelo ruim?; Ai, clareia essa família, só preto também não é legal”.
O pretinho desde quando era pequenininho, seu pai
dizia: Filho, você é preto e tem seu valor. Você tem que estudar, trabalhar,
ganhar dinheiro, ser alguém na vida. E se Deus quiser, vai ser um jogador de
futebol ou um homem bem sucedido. Quando isso acontecer, não se esqueça, meu
filho, case-se com uma loira ou uma mulher branca. Mulher preta faz muita
confusão, é encrenqueira, só dá trabalho, e como falam por aí: “mulher preta
mente e faz macumba”, Deus me livre, meu filho. E cá pra nós, a loira é muito
melhor do que a preta. E assim, Pretinho cresceu, não virou jogador de futebol,
mas um preto com seu devido valor, bem sucedido, e para manter o bom status que
seu pai sempre dizia, sempre namorava com mulheres brancas, levava para as
festas, apresentava com orgulho para todos.
E nessa louca ciranda da vida, a Pretinha que
sempre quis um homem negro. Não só por negro estar na moda, mas ela sempre quis
para perpetuar sua história, valorizar o seu povo, a sua raiz. Ela ainda
procura um preto para dividir essa longa caminhada. Já o Preto, não se
reconhece, não sabe verdadeiramente quem ele é, gosta de samba, gosta de
“coisas de preto”, mas da Preta ele não gosta. Não está acostumado com ela, não
quer dividir a vida dele, pois lembra do que foi ensinado, desde pequeno, que a preta pode ser amiga, pode ser irmã, pode
ser tudo, menos mulher. E muitas vezes, quando olha para uma preta linda ou que
chame atenção nele de alguma forma, diz: “Eu sempre gostei de negras, mas vocês
nunca me deram o devido valor”. E a vida vai seguindo... A Pretinha na dela, em
busca do seu Preto tão sonhado e o Preto na dele, em busca daquilo que ele não
sabe o que falta, se iludindo, reproduzindo toda a “teoria do embranquecimento”
e se perdendo mais e mais. Até quando?!
*
Sou a favor de todo tipo de amores e cores, o que não acho justo quando não se
tem a liberdade para tal, quando tudo já fica subentendido, já fica criado.
Gosto da liberdade. Liberdade das escolhas, das decisões, do pensar e agir.
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