Branquitude como norma racial

Opressões na Cultura Política e Sociedade - com Lindberg Filho,

Quero começar propondo uma dicussão sobre algo que vai servir de base para todas as próximas reflexões desta coluna – a criação de uma norma racial. Há uma forte tendência, muitas vezes que passa desapercebida, de ao lermos um romance já pressupormos que os personagens sejam brancos, da mesma forma que inconscientemente também presumimos a sua heterossexualidade a não ser, é claro, que haja uma descrição ou evidência explícita do contrário. Da mesma forma que chamamos o lápis cor salmão clarinho de ‘cor de pele’ e dificilmente nos perguntamos, pele de quem? Da mesma forma que, embora estejamos em um país que um pouco mais da metade da sua população se auto declare negra ou parda, achamos normal que haja uma hiper representatividade de brancos na imensa maioria das revistas, propagandas e atrações televisivas de abrangência nacional. Todos esses fenômenos culturais não apenas comprovam, mas também denunciam a construção cotidiana da normatividade da ‘raça branca’.

Pesquisas em livros, museus, imprensa, publicidade, filmes, televisão e softwares mostram, repetidamente, que nas representações midiáticas e culturais ocidentais, os brancos são esmagadoramente e desproporcionalmente predominante, eles têm os papéis centrais e mais elaborados, e acima de tudo são colocados como a norma, o normal, o padrão. (Dyer, 1997: 3 Tradução livre)

Além disso, é interessante registrar a estranheza que muitos sentem ao ler ou ao ouvir a expressão ‘raça branca’, porque, como podemos facilmente notar ao fazermos um exercício mental, a palavra raça é normalmente empregada para se referir a todas as outras ‘raças’ que não seja a branca. O processo de uso da palavra ‘raça’ para se referir a outras etnias cria mais um mecanismo cultural de naturalização da branquitude e de totalização de outros grupos étnicos, pois na cultura de raças, há um processo de individualização da raça dominante e de totalização das raças dominadas. Em outras palavras, o branco responde como indivíduo, ao passo que o negro responde pelo grupo, esse é um mecanismo social que faz a manutenção de preconceitos, os quais equalizam negros e malfeitores e tratam o malfeitor branco como algo particular daquele indivíduo.

  Ademais, o significado moderno da palavra ‘raça’ tem uma origem muito perturbadora, pois ele se origina, dentre outras coisas, de uma necessidade histórica e material de desumanização e inferiorização do ‘outro’, de forma que pudesse se estabelecer uma hierarquização e avaliação étnica ou territorial com o intuito de justificar biológica, política e, sobretudo, religiosamente a exploração de outros povos. Recentemente, estudos genéticos têm demonstrado que mesmo com grandes diferenças étnicas, os seres humanos, sejam eles caucasianos ou africanos, compartilham mais genes do que, por exemplo, dois pinguins, aparentemente idênticos. A genética moderna refuta o conceito de raça, pois a possibilidade de uma ‘evolução’ humana, que justificasse o emprego do significado moderno que a palavra raça carrega, só poderia ser possível depois de milhares de anos de completo isolamento geográfico e biológico de um determinado grupo étnico.

É importantíssimo que lutemos pela dissolução dessa cultura de raça, a qual gera mecanismos de avaliação e hierarquização de diferentes etnias humanas. Essa luta passa pela nossa conscientização das origens materiais e históricas do racismo, da sua apropriação pelo sistema político e econômico no qual vivemos e das possibilidades abertas para a subversão e destruição de estruturas ideológicas e materiais que o sustentem e o reproduzam.

Lindberg Filho é paulista, formado em Letras pela Universidade de São Paulo. Começou sua militância no movimento estudantil da USP, no qual foi diretor do centro acadêmico e do DCE. Nos últimos anos têm direcionado sua militância para o movimento LGBT e militado no setorial LGBT do PSOL de São Paulo. Já trabalhou como professor de técnicas de redação em uma rede de cursinhos populares e de inglês em escolas particulares. Atualmente dá aulas de português para estrangeiros em Londres e desenvolve pesquisa na área de literatura comparada Brasil x Inglaterra com enfoque nas questões de gênero e sexualidade como agentes de desconstrução de estruturas patriarcais na St Mary's University College. Lindberg escreve sobre política para o blog +Preta Gorda, na coluna Opressões na Cultura, Política e Sociedade

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