Vida de gado: O drama diário de trabalhadores nos transportes públicos termina em morte!
Semana passada, deparei-me com uma notícia bastante triste. O
sobrinho de 15 (quinze) anos de uma grande amiga havia falecido. Seu nome é Leonardo de Souza Silva.
O que andei lendo pelos jornais o seguinte:
“Um
estudante de 15 anos morreu ao cair nos trilhos da estação Brás da CPTM
(Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), na região central de São Paulo...
Por meio de uma nota, a CPTM lamentou a morte de Leandro de Souza Silva e disse
que está "contribuindo com a investigação policial" para que a
ocorrência seja esclarecida. A companhia diz ainda que faz uma investigação
interna para saber o que ocorreu.
De
acordo com a CPTM, testemunhas disseram que o rapaz pulou da plataforma para o
estribo de uma das portas da composição quando o trem ainda estava em
movimento. O passageiro teria então se desequilibrado e caído nos trilhos.
A
CPTM diz que as imagens das câmeras da estação mostram que a plataforma 7, onde
estava o estudante, não estava lotada na hora do acidente e que tinha
"condições normais para o embarque", ou seja, a companhia descarta a
possibilidade de o jovem ter sido empurrado por outros passageiros durante o
embarque.
A
companhia diz que Silva foi socorrido por agentes da estação, mas não resistiu
aos ferimentos e morreu no hospital. A CPTM também lamentou o ocorrido na nota”.
Só que tem um problema... Gosto muito de entender os dois
lados sobre tudo que me contam... E como a gente conhece muito bem como se dá o
transporte público (aqui no Rio de Janeiro é um caos, imagine em São
Paulo/Capital?), resolvi conversar com ela. Até mesmo para tentar lhe dar
conforto.
Numa ligação que demorou cerca de 40 min, minha amiga,
conhecida no movimento negro como Luh Souza, me contou entre outras coisas, que
seu sobrinho era super tranquilo. Não era um rapaz de grandes algazarras, e que
com toda certeza, ele jamais faria o que deixaram subentendido: que o rapaz
teria pulado sobre os trilhos. Contou também sobre o drama que sua família
passou para a liberação do corpo no IML, devido a um erro em seu nº de RG e que
um plantão empurrou ao outro, e assim o garoto morto na terça feira só pode ser
velado na noite de quarta, sendo enterrado só na quinta feira, causando um
sofrimento extra para os pais que desejavam ansiosos despedirem-se do filho
amado. O descaso dessas entidades, responsáveis por toda burocracia quando
algum parente nosso morre é vivido por inúmeros brasileiros... Além da dor da
perda de um ente querido, tem de se submeter a espera, mal tratos e manipulação
de informações.
Segue uma pequena entrevista, cedida por Luh à Preta&Gorda
- Preta&Gorda: Como era seu sobrinho no
dia-a-dia, Luh?
Era um garoto amável, educado, e querido por todos. Tanto que foi
preciso organizar
fila em seu velório para que os amigos da escola e do bairro pudessem se
despedir dele.
- Preta&Gorda: Era o primeiro emprego dele? Estava indo trabalhar em que?
Não estava propriamente trabalhando ainda, estava no emprego há questão
de dias,
Estava em teste para trabalhar como aprendiz. Tinha horário especial
para que pudesse estudar.
- Preta&Gorda: Quais foram as imagens que foram
disponibilizadas para vocês familiares do rapaz?
Bem, nas filmagens se vê o menino
na plataforma, depois tentando ser socorrido pelos seguranças do local, e
depois sendo socorrido no lado inverso da plataforma. Ele caiu em pé entre o
vão da composição e a plataforma, e como era um garoto franzino, a velocidade
com que caiu o fez bater com o tórax no trem, causando politraumatismo (suas
costelas foram quebradas).
No caso, ele deveria ter ficado imóvel até que chegasse o socorro especializado, se caso fosse, que
cortassem o trem ao meio para tirá-lo de lá, como é feito com veículos nas
estradas em que as vítimas ficam presas às ferragens. Mas em horário de pico, a
vida de um garoto vale quanto? Salvar a vida de um garoto que ninguém conhece
ou fazer o fluxo da população da Zona Leste (a mais populosa de São Paulo)
chegar em casa? Então os seguranças o instruíram a rastejar até o outro lado,
entre os trilhos e por baixo do trem para que ele fosse socorrido. Ao chegar do
outro lado, suas costelas quebradas perfuraram seu pulmão. Minha família ouviu
de funcionários que ele chorava, reclamando de falta de ar... Morreu ali mesmo.
![]() |
Leonardo de Souza Silva tinha 15 anos de idade. |
- Preta&Gorda: Qual foi a desculpa da CPTM por não mostrar o momento exato
da queda do seus sobrinho nos trilhos?
Dizem sutilmente que meu sobrinho pode ter brincado na porta, mas que há
um ‘ponto cego’ do momento em que ele caiu, pois não há câmeras neste ponto.
Mas a questão é: como aparecem nas filmagens os seguranças tentando socorrê-lo
bem neste tal de ‘ponto cego’? E filmamos no dia seguinte o ponto em que ele
caiu e há sim, pontos de filmagem em toda a plataforma, inclusive no ponto em
que o Leo caiu. Pergunto: Interessaria a quem
apagar estas imagens?
- Preta&Gorda: Como se deu o resgate dele? Você acha que eles
agiram da maneira correta?
Evidentemente que não agiram. Não estamos julgando os funcionários que o
socorreram, mas temos certeza que não há equipe preparada pra agir em casos
como estes. Meu pai, idoso, já caiu neste vão, também outra sobrinha, ambos
vindo do trabalho, mas que foram socorridos por outros passageiros enquanto a
maioria passava por cima da cabeça deles sem se importar. Eu já sofri hematomas nesta mesma estação por
conta do empurra- empurra. Afirmo: é assustador andar de trem nos horários de
pico. Meu sobrinho ainda não tinha malícia de se autoproteger. As pessoas
querem voltar para suas casas o mais rápido possível, moram em ‘cidades
dormitório’, ou seja, apenas chegam a tempo de dormir e voltar de novo antes do
amanhecer. São tratadas indignamente pelo governo de São Paulo e acabam também
por se tornarem assassinas sem o saber... Empurram pra irem sentadas ou para ir
naquela composição, entaladas como sardinhas, cansadas... Muitos vão pra escola,
e ou faculdade, e até mesmo outro emprego.
- Preta&Gorda: Como foi todo o processo de levar
o seu sobrinho pro hospital, reconhecer o corpo no IML? Acha que vocês foram
bem atendidos?
Quem poderia falar especificamente sobre isso são os pais, mas posso te
afirmar que sofreram além do limite humano...
Morando longe de onde se trata destes assuntos, ficaram praticamente 3
(três) dias sem dormir, sofrendo todo o tipo de horror. A situação só se
definiu porque conheciam alguém capaz de interferir, e só na noite de quarta
feira o corpo do menino pode ser velado.
- Preta&Gorda: Você acha que a CPTM tem
contribuído com TODAS as informações necessárias para a investigação do caso?
Sim, na medida do possível. Mas minha sobrinha soube por celular no
mesmo dia em que ele havia ido a óbito, quando estava na própria estação em que
ele foi vitimado. Passou mal, e assim pode constatar que os seguranças, embora
todos eles a tenham tratado bem, não são treinados para o socorro, tanto que
nem sabiam como colocá-la na maca. Uma coisa que nos incomoda é o tal do ‘ponto
cego’, vamos questionar judicialmente isso... Foi apagado?
- Preta&Gorda: Como é o dia-a-dia de quem pega o
Trem/Metrô no Brás todos os dias no horário de rush?
Nos trens do Metrô, desde o terminal Barra Funda até Corinthians
Itaquera, e trens da CPTM (todas as estações que partem para a periferia), ‘Salvem-se
quem puder!”
As pessoas são tratadas como gado em curral de abate. Qualquer um pode notar a diferença de
tratamento só verificando os locais em que as estações estão estabelecidas,
como é o caso de estações de metrô, quanto mais em área nobre, percebe-se
mármore nos pisos, obras de arte e trens mais espaçosos, novos e condições mais
aprazíveis. Quanto mais em área de subúrbio, mais simples e desprezível. Porque
existe esta diferença de tratamento se todos pagamos impostos e a constituição
prevê que ‘todos são iguais perante a lei?”
Outra coisa que nos incomoda é que no B.O. (boletim de ocorrência) a
CPTM afirma que o vão é de apenas 15 cm entre a composição e a plataforma, mas
fomos medir e são 21 cm. Soubemos, através de reportagens, que as plataformas
destas estações não podem ter este espaço diminuído porque a malha ferroviária
tanto serve de transporte de passageiros como também para descarregamento de
carga, assim sendo, as composições de carga são maiores. Não sabíamos que somos
tratados como carga produtiva... Os usuários deste meio de transporte são
tratados como carga, e acabam também por perderem o sentimento humano pelo
outro. Assim o governo do Estado trata a população assalariada e trabalhadora, entende?
Fazendo que a própria população se matem uns aos outros sem nem mesmo se dar
conta, para ir ao trabalho e voltar. Quem já esteve em situação de tumulto,
sendo pisoteadas pelos outros, saibam
que os usuários de trens do Metrô e trens da CPTM, vivenciam isso TODOS OS
DIAS! Lembram-se das vítimas do incêndio
em Santa Maria? Saibam que os trabalhadores em São Paulo vivem o mesmo todos os
dias, e ninguém se emociona...
Há índices de morte sobre vítimas de acidente de trânsito, mas até
perder meu sobrinho não tinha me dado conta que as mortes em ferrovias são
invisíveis. Quantos morrem nas malhas ferroviárias em São Paulo, ou no Brasil?
Quantas são as vítimas que ficaram mutiladas? Quantas se suicidam ou perdem o
equilíbrio na hora do embarque? Acontece quase todos os dias, acredite!
Soubemos que no mesmo dia em que meu sobrinho foi vitimado, outro
usuário também morreu na estação Luz da CPTM. Da mesma forma.
- Preta&Gorda: Luh, o que você espera que seja
feito pelas autoridades que estão investigando o caso?
Com a morte de Leonardo, a quem chamávamos carinhosamente por Léo, não
vamos parar. Não o teremos de volta, mas
queremos que a morte dele sirva de protesto. Mês que vem ele faria 16 anos, no
dia 08 de maio, e faremos uma manifestação para conscientizar a população dos
perigos que correm todos os dias:
- Portas de contenção de fluxo nas plataformas da CPTM;
- Equipe médica, e pessoal treinado para casos de acidentes nas estações
da CPTM em horário de pico;
- A imediata separação da utilização da malha ferroviária de trens de
carga e trens de passageiros para que o espaço entre os trens e as plataformas
diminuídas, como é o caso dos trens do Metrô;
- Mais segurança pessoal em cada porta no horário de pico, e outras
coisas mais que identificarmos no decorrer das pesquisas que estamos fazendo
por conta própria.
Um desabafo como cidadã paulistana:
É muito comum em épocas de eleição, assistirmos nas propagandas
políticas do PSDB (governo no poder há décadas!), os candidatos ao governo
andando de trem, de ônibus, segundo eles estão fazendo ‘pesquisa de campo’, mas
fazem isso num horário que os trabalhadores estão na labuta!
Sugiro ao Governador, ou ao
próximo candidato, que implantaram a POLÍTICA
DA MERITOCRACIA para tudo em São Paulo, para os professores, para o direito
dos Cotistas, enfim, que tenham um mês trabalhando como ajudante de pedreiro,
batendo massa e carregando pedra, comam um prato feito, marmitinha com ovo,
depois embarquem na estação Brás da CPTM nos horários em que o trabalhador
volta pra sua casa... MERITOCRACIA
para também merecer nosso voto! Espero que sobrevivam até as eleições...
Certeza que qualquer trabalhador cederia sua casa na Zona Leste para o teste,
uma vez que é exatamente aqui que a eleição se define em São Paulo.
Para finalizar, faço um apelo para
quem viu a morte dele. Talvez alguém tenha filmado e se por acaso isso ocorreu,
que entrem em contato para servir de testemunha, por favor! O que aconteceu com
ele e conosco (familiares) pode também acontecer com você.
--
Analisar toda essa situação de fora, gera grande revolta em
mim... E olha que nem sou da família! Será que se a família fosse rica, teriam
demorado tanto tempo para liberar o corpo? Será que se a família fosse rica, as
filmagens que foram cortadas rapidamente apareceriam? Será que num país como o
nosso existe verdade, justiça e direitos humanos?
Primeiro lugar que todas as estações de Trem, Metrô, em São
Paulo, Rio de Janeiro e em todos os lugares onde se faz uso de transporte
ferroviário, deveriam ter uma parede de proteção que se abrisse somente quando
o trem estivesse devidamente estacionado na plataforma de embarque e
desembarque. Sem essa proteção, qualquer um de nós é um assassino em potencial!
A verdade é essa! Na hora do rush, o desespero para se acomodar em uma posição
favorável para entrar no trem, um descuido, um tropeço, pode fazer com quem
está na sua frente caia nos trilhos. Pode ser por acidente, pode ser criminoso
(a gente nunca sabe como anda a mente das pessoas). Isso é um fato! Não estou
falando essas coisas para colocar medo na cabeça de ninguém... Mas é o que
todos os dias eu penso quando vou pegar meu metrozinho para ir para o trabalho
e voltar pra casa. Somos também vítimas em potencial!
Por incrível que pareça, a única plataforma que eu vi com
esta proteção estava... Adivinha? Na Zona Sul de São Paulo! Vi quando estive lá
para a Caminhada do Movimento Negro, no dia 20 de Novembro, dia da Consciência
Negra. Então a velha estória se repete, certo? A burguesia sempre protegida e
os pobres que se fodam! Que morram!
Somos transportados como gados para trabalhar e enriquecer
os bolsos de grandes empresários. Morremos dando nosso sangue e nosso suor para
que os ricos enriqueçam cada vez mais. Sem direitos, e os poucos que existem
sequer são respeitados.
Eu quero ver quando esse vídeo irá aparecer. E se irá
aparecer...
Será que existe justiça para injustiçados?
A Preta&Gorda lamenta a morte de Leonardo, manifestas
seus sentimentos a todos os familiares e amigos deste rapaz e deseja
profundamente que medidas sérias sejam tomadas, e que sejamos finalmente
tratados como seres humanos.
Alessandra de Mattos.
Preta&Gorda.
Links das matérias, relacionadas.
http://viatrolebus.com.br/2013/04/empurra-empurra-na-estacao-bras-e-a-morte-de-um-garoto-de-15-anos/
http://noticias.band.uol.com.br/cidades/noticia/?id=100000591803
Alessandra de Mattos - Preta, Carioca, no processo de afrocentricidade, 32 anos.
Analista
de Suporte Pleno. Desenvolveu desejo pela luta contra o racismo e
opressão ao longo dos anos e hoje encontra-se como militante ativa na
luta pela inclusão de pretos e pretas em todas as esferas sociais,
trabalhando a conscientização dos nossos irmãos e irmãs a cerca desta
problemática, proporcionando mecanismos de leitura e conhecimento
cultural e político e trabalhando a auto-estima do nosso povo que se
encontra abalada pela discriminação racial, muita das vezes mascarada
pela sociedade. Alessandra é idealizadora e Administradora da Comunidade Preta&Gorda.
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