Documentário “Raça” exibe trajetória de três personalidades negras na luta pela igualdade racial
Toda a
renda obtida com a bilheteria do filme, que estreia no próximo dia 17 de maio
nos cinemas brasileiros, será revertida para o Fundo Baobá, entidade voltada à
promoção da equidade racial
Redação
Correio Nagô* – O
senador Paulo Paim e a batalha pelo “Estatuto da Igualdade Racial”. A neta de
africanos escravizados Miúda dos Santos e a luta pela posse de terras. O cantor
Netinho de Paula e a tentativa de consolidar o canal TV da Gente. Três
diferentes iniciativas que o cineasta Joel Zito Araújo e a documentarista
norte-americana Megan Mylan decidiram registrar no documentário “Raça” que
estreia no próximo dia 17 de maio.
O
documentário é uma coprodução entre Brasil e Estados Unidos, filmado entre 2005
e 2011. Em 104 minutos de duração, o vídeo registra diferentes vertentes do
debate sobre as questões raciais do país. Toda a renda obtida com a bilheteria
do filme será revertida para o Fundo Baobá, entidade voltada à promoção da
equidade racial “O filme
capta o debate sobre a busca da superação da desigualdade racial no Brasil.
Para registrar esse momento histórico em que o debate racial se tornou
constante na mídia e no discurso público, decidimos acompanhar de perto três
personalidades negras que estão – cada uma a sua maneira – na linha de frente
dessa batalha pela igualdade”, destaca, em entrevista ao Portal Correio Nagô, o
cineasta Joel Zito Araújo, diretor do longa-metragem “A Negação do Brasil”, que
aborda a história do negro nas telenovelas brasileiras, e que ganhou o prêmio
de melhor documentário no festival É Tudo Verdade, além de ter sido também
premiado no Festival de Recife em 2001.
Joel
Zito, que é PhD em Comunicação pela USP, dirigiu ainda “Filhas do Vento”, obra
que reuniu o maior elenco negro da história do cinema brasileiro e ganhou oito
kikitos no Festival de Gramado, além de ter sido o filme vencedor do Festival
de Tiradentes, em 2006.
Personagens - Nessa nova empreitada, três
personagens foram escolhidos para serem o foco do documentário. Em uma das três
trajetórias escolhidas pelos diretores, está o senador Paulo Paim tentando
sancionar a lei do “Estatuto da Igualdade Racial” no Congresso Nacional, em
Brasília. Paim é autor do projeto original que demorou quase uma década para
ser aprovado.
De Brasília para o Espírito
Santo, o documentário exibe a luta de Miúda dos Santos, neta de africanos
escravizados e ativista quilombola, pela posse das terras e pelo respeito às
suas tradições ancestrais da Comunidade Quilombola de Linharinho. Junto com os
moradores da região, Miúda briga contra uma empresa do ramo da celulose.
Já nos
bastidores da TV brasileira, “Raça” mostra o processo de criação e a tentativa
de consolidar o canal TV da Gente, do cantor, apresentador e empresário Netinho
de Paula. Fundado em 2005, no interior de São Paulo, o canal formado
majoritariamente por profissionais negros foi idealizado pelo artista.
“A
escolha dos personagens veio do desejo de poder acompanhar histórias de vida de
pessoas que estivessem no epicentro do debate. E como grande parte da polêmica
girava em torno de cotas na universidade, de terras quilombolas, da aprovação
do Estatuto da Igualdade Racial, e a dificuldade de uma representação
igualitária do negro na mídia, procuramos pessoas ligadas a ela”, destaca Joel
Zito.
Durante
sete anos, os diretores acompanharam as batalhas enfrentadas por cada um dos
três personagens. “Quando você resolve fazer um filme de cinema direto,
acompanhando as lutas de três pessoas, são as vidas deles que indicam quando a
filmagem deve acabar”, conta a cineasta Megan Mylan, também em entrevista ao
Portal Correio Nagô. Ganhadora de prêmios como o AcademyAward,
IndependentSpirit e o Guggenheim, Mylan produziu e dirigiu o filme “SmilePinki”
ganhador do Oscar de 2008. A temática social é frequente em seus trabalhos.
Ela
ressalta ainda que, principalmente no caso da luta do Senador Paim, para a
aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, as filmagens tiveram que ser
mantidas, enquanto o estatuto ficou tramitando no congresso. “Na questão da
Dona Miúda, desafortunadamente, ainda tem muito a ser conquistado na busca de
titulação de terras quilombolas, mas resolvemos que com a aprovação do
Estatuto, estávamos em um momento chave para o nosso filme entrar em cartaz.
Estava na hora de contribuir para o diálogo nacional em torno da questão”,
acrescenta a cineasta.
Numa ação
inédita, os diretores do documentário firmaram acordo com o Fundo Baobá e toda
a renda obtida pela bilheteria do filme será revertida para a entidade, voltada
à promoção da equidade racial.
Parceria – Para os diretores, o filme é
resultado de uma amizade iniciada na década de noventa. Nesta época, Megan
viveu no Brasil, trabalhando na fundação Ashoka. “É uma pessoa de muita
sensibilidade para questões sociais. Mas foi em 2004 que surgiu a ideia de
dirigirmos um filme juntos”, diz Joel Zito.
Já Mylan
conta que mesmo após voltar para os EUA continuou a ficar de olho no Brasil. “A
negação da disparidade racial no Brasil era uma coisa que me chocou quando
morei no país. Em 2004 eu estava acompanhando o debate sobre a adoção de cotas
na UERJ pela internet. Senti que finalmente o Brasil estava enfrentando a
realidade de sua disparidade racial, reconhecendo que a bela ideia de que o
Brasil seria um país sem preconceito, sem diferença entre as raças era de fato
um mito”, relembra.
Ela
relata ainda que foi daí que surgiu a ideia de documentar o período que o
Brasil vivenciava. “Com meu olhar de cineasta, queria saber quem estava
documentando este momento tão histórico, imaginei que tinha que ter cineastas
brasileiros já fazendo. Liguei logo para o Joel, mas não encontramos ninguém já
acompanhando. Então como documentaristas só tínhamos uma opção, teria de ser
nós mesmos quem faria o trabalho”, diz.
“Sou de uma geração que, na
juventude, esses problemas eram considerados apenas um problema dos
afro-brasileiros. É como se o racismo não fosse um problema de uma relação
desigual entre raças distintas. Portanto, tivemos o insight que era a hora de
fazer um filme grande sobre este novo contexto histórico brasileiro”,
complementa Joel Zito. Para ele, o documentário “Raça” faltou apenas discutir
“a violência exterminadora de jovens negros”.
(Os
diretores Joel Zito Araújo e Megan Mylan)
Em uma
das cenas do documentário, o senador Paim faz uma declaração que resume um
pouco o debate sobre o tema. Ele diz ‘Quando tu vai numa empresa, quando tu é
discriminado, eles não pedem teu DNA, só olham para ti. A questão é que nosso
povo negro tá sendo assassinado, é excluído e é o que ganha o menor salário’.
Filmagens – Mylan relata ainda que
encontraram dificuldade com apoio financeiro para as filmagens. Mas, para ela,
o maior desafio foi selecionar três histórias que pudessem representar a
“mudança social que está acontecendo em todos os setores do país”.
“Um filme
não pode fazer tudo, mas também temos uma responsabilidade de criar algo que
represente bem esta transformação nacional. Nossos personagens representam três
áreas diferentes: governo, mídia e herança cultural e histórica. O estilo que
resolvemos utilizar para captar este coisa dinâmica foi o cinema direto, um
estilo de observação. Com isso, você tem que estar presente nos momento chaves,
e suas personagens tem que ser pessoas na linha da frente das coisas”, diz.
O vídeo
teve sua primeira exibição na Mostra Première Brasil – HorsConcours, durante o
Festival de Cinema do Rio de Janeiro, e no Fespasco, em Burkina Faso, o mais
importante festival africano.
“O filme
teve uma recepção comovente. O público ama e, mesmo fora daqui, reconhece a sua
importância política e social. Além de termos recebidos muitos elogios por sua
qualidade artística”, conta Joel Zito.
Para
Mylan, os brasileiros não devem deixar de conferir o documentário. “É um filme
bom, com uma história bem contada de três brasileiros cujas vidas representam um
momento de transformação histórica do país. Queremos promover uma discussão
nacional qualificada sobre equidade racial, tentando que as pessoas saiam
entendendo melhor o quanto a igualdade racial é fundamental para a cidadania e
para um Brasil moderno.”, promete.
*Por
Anderson Sotero
Fonte: Correio Nagô
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