O 13 de Maio e a falácia da liberdade.
Pensando no que escrever neste
dia, me veio a palavra LIBERDADE. Comecei a pensar no seu real significado. Nem
me adianta buscar em textos filosóficos, porque acredito que liberdade é algo
que você vivencia... Cada um do seu modo. Não tem uma definição concreta.
Estar livre, sentir-se livre é
muito mais uma condição humana do que um status. E não me sinto livre.
Liberdade?
Vamos falar sobre o jogo de
interesses europeus em que se mudasse o faturamento econômico na época. Vamos
falar em não se importar com os africanos e já seus descendentes que ali
estavam, que trabalharam durante séculos de graça, foram açoitados como animais
e mortos como se fossem qualquer coisa.
Vamos falar da mulher preta, que
foi usada como objeto sexual nas mãos de senhores de engenho, que era obrigada
a deixar de amamentar seu filho para alimentar a cria branca.
Falemos também do fato da mulher
preta ter de, pós abolição, sustentar sozinha casa, companheiro, filhos...
Simplesmente pelo fato de todos terem sido largados à própria sorte, sem
direitos, sem moradia, sendo preteridos em todos os lugares. Com o homem preto
deprimido por não conseguir trabalho, mulher preta continuou prestando serviços
nas casas, cuidando da casa, entre outras coisas.
Falemos na condição d@s pret@s no
decorrer dos anos, séculos e a condição de marginal que lhe impuseram. Vamos
falar da formação das favelas e comunidades. Vamos falar dos subempregos,
sempre destinados a população preto. Sempre trabalhando pro branco, sendo pago
com miséria e humilhação.
Vamos falar da identidade do meu
povo roubada, da proibição de se manifestar sua crença. Falemos de pais e mães
de santo sendo presos por praticar culto a religiões de matriz africana a pouco
mais de dez anos.
Vamos falar do que não herdamos
de lugar nenhum. De tudo o que tivemos de obter trabalhando dez vezes mais do
que qualquer branco racista para obter alguma coisa.
E da falta de emprego...
E da casas construídas com restos de madeira e
papelão...
E de gente morrendo de fome e
frio...
De crianças pretas abandonando
escola pra ajudar no sustento da casa...
De uma geração brotando sem
expectativa de uma vida digna.
E de uma política que não me
representa...
E de uma polícia que me mata ao
invés de me proteger...
Do Direitos Humanos que não me
inclui...
De ainda hoje sermos considerados
amaldiçoados...
De não ter direito de entrar no
céu branco do deus branco...
A liberdade não chega até mim,
quando sei que meus irmãos ainda dormem nas ruas, reviram lixo pra catar resto
de comida e se drogam pra enganar a fome e ninguém se importa.
Liberdade não absorve nada de mim
quando eu ainda preciso criar coletivos para que meu povo se sinta
representado. Para que conversemos entre nós e para que se crie espelhos para
nós mesmos e nossas crianças.
Vamos falar também que somos mais
da metade da população e que pouco mais
de dez anos, a representatividade preta dentro das universidades era quase
zero.
E das patroinhas chorando por
terem de pagar direitos a empregadas domésticas.
E dessa palhaçada de redução da
maioridade penal, ao invés de se valer executar as leis que já existem, e que
nós sabemos muito bem a quem querem atingir e quem será atingido. Crianças pretas
e pobres. Sem distinção.
Não me sinto livre quando assumo meus cabelos, dos quais me orgulho e ostento, e ao chegar em qualquer ambiente, sou hostilizada com olhares reprovadores de toda uma massa absurdamente chapada.
Não me sinto livre, quando insistem
que devo alisar meus cabelos, principalmente quando me encontro em eventos
sociais, a procura de emprego e a procura até mesmo de um parceiro romântico.
Não me sinto livre, quando eu,
como mulher, preciso estuprar minha essência e flagelar meu corpo, meu
organismo, me colocando a mercê dietas massacrantes e cirurgias arriscadas para
simplesmente atender ao que a sociedade acredita ser o correto: mulheres
extremamente magras como padrão de beleza para todos, com seus corpos decapitados
e costurados para promover um outro formato, esquecendo claro, que sou
descendente de africanos e a estrutura
de meu corpo obedece lindas curvas e volumes.
Vamos falar do que aconteceu
atualmente com ZERO representatividade preta num desfile que aconteceu na
Bahia. E da palhaçada que se cria na televisão brasileira acerca das características fenótipas da mulher negra e sua condição marginal. Falta de espelhos... Falta total de respeito!
Num país onde ainda precisa de se
ter um grupo de resistência preta, não e um país livre. É livre quem não tem a
pele preta e que desfruta de toda regalia que o status branco lhe dá. Ser
herdeiro, estar incluso nos padrões de beleza estabelecidos por eles mesmos.
Ter portas abertas e ser isento de qualquer imposição de ordem física em
empregos.
É tosca demais essa mania que
pessoas tem de elevarem a imagem da Isabel como se a redenção tivesse sido
obtida graças a ela. Sempre assim: branco sendo redentor do negro. Essa falsa
liberdade que as pessoas pregam, essa democracia racial fajuta, esse discursos
ilusionista de que o racismo já não se faz presente entre nós, é o que vem
acordando em mim uma irritabilidade constante. A falta de vergonha na cara
desse povo que não se dá ao luxo nem de assumir que são uma sociedade que foi
ensinada a simplesmente não gostar e marginalizar pretos.
Falei muito pouco.
Se eu não tenho igualdade, eu não
tenho liberdade.
Não tenho nada pra comemorar
hoje.
Viva Zumbi!
Alessandra de Mattos.
Preta&Gorda
Analista
de Suporte Pleno. Desenvolveu desejo pela luta contra o racismo e
opressão ao longo dos anos e hoje encontra-se como militante ativa na
luta pela inclusão de pretos e pretas em todas as esferas sociais,
trabalhando a conscientização dos nossos irmãos e irmãs a cerca desta
problemática, proporcionando mecanismos de leitura e conhecimento
cultural e político e trabalhando a auto-estima do nosso povo que se
encontra abalada pela discriminação racial, muita das vezes mascarada
pela sociedade. Alessandra é idealizadora e Administradora da Comunidade Preta&Gorda.
Esse post faz parte da Blogagem Coletiva Luiza Mahin organizada pelas Blogueiras Negras nos 125 anos de Abolição.
http://blogueirasnegras.wordpress.com/2013/05/06/blogagem-coletiva-125-anos-de-abolicao/
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