Afetividade negra – por que beijar sua preta em praça pública é um ato de resistência
Por: Juliana Gonçalves
Mulheres e homens negros e a perpetuação do controle da subjetividade pelo sexismo e racismo
"Muitas
mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor.
Essa é uma de nossas verdades privadas que raramente é discutida em
público. Essa realidade é tão dolorosa que as mulheres negras raramente
falam abertamente sobre isso."
Esse
é o segundo parágrafo do texto Vivendo de Amor da escritora
afro-americana, teórica feminista e crítica cultural, bell hooks (o nome
é grafado em letras minúsculas*). Essa falta de amor relatada pela
escritora seria o resultado final para as mulheres de um processo
histórico fincado à época da escravidão.
Se
até hoje negras e negros vivem uma condição social e econômica advinda
tanto do passado escravagista quanto do racismo presente na sociedade, é
possível dizer que esses dois elementos influenciam também na
construção da subjetividade de homens e mulheres negras e no modo como
se relacionam? Sim, seria a resposta de hooks e de muitos outros
pensadores negros que acreditam que a escravização se sustentou também
pelo controle da subjetividade dos escravizados.
Segundo
a autora, a fome, o trabalho pesado, as punições cruéis e o abuso
diário a que eram submetidos, condicionou o povo negro a reprimir seus
sentimentos. “Um escravo que não fosse capaz de reprimir ou conter suas
emoções, talvez não conseguisse sobreviver."
A
supremacia branca, a interiorização do racismo e de um sentimento de
inferioridade, são fatores que ajudaram na perpetuação dessas barreiras
emocionais que influenciam até hoje os relacionamentos dos negros.
Se
o homem negro sofre com o racismo, a mulher negra sofre duplamente,
pois junta-se aí o sexismo. “O sexismo e o racismo trabalhando juntos
para perpetuar uma iconografia da representação da mulher negra que
imprime na consciência cultural coletiva a ideia de que as mulheres
negras vem a este planeta, principalmente, com a finalidade de servir os
outros”, aponta bell hooks em seu livro "Mulheres negras
intelectuais".
Foi por meio da sua observação da condição da mulher
negra
na cidade de São Paulo, que a Professora Mestre em Ciências Sociais
pela PUC/SP, Claudete Alves começou seus estudos sobre a solidão da
mulher negra.
Em
sua pesquisa, Claudete aponta dados que revelam que os casamentos no
Brasil se orientam por um padrão e conta com diversas variáveis, entre
elas a raça. Sua tese de mestrado foi transformada no livro “Virou
Regra?” que não só constata como a mulher negra é preterida pelo homem
negro, como aponta possíveis razões sobre por que isso acontece.
Claudete,
na introdução de seu livro, apresenta a compreensão de como a
afetividade das pessoas não é apenas pautada pelo sentimento/amor, mas
sim por preferências sociais, políticas, culturais e étnicas, como
citado acima.
Em seus estudos, a autora aponta com veemência a importância do comportamento do homem negro,que pretere a mulher negra, virar regra. “Mulheres negras tendem a valorizar e priorizar relações com os homens negros, mas o contrário não acontece”, afirma. Segundo a autora, algo que explicaria essa escolha seria o desejo de ascensão social projetada e uma relação inter-racial, que faria o homem negro escolher a mulher branca; a interiorização do “embranquecimento” da família numa tentativa de negação da sua origem e, por fim, o desejo construído (social e midiaticamente) em torno da mulher branca.
Em seus estudos, a autora aponta com veemência a importância do comportamento do homem negro,que pretere a mulher negra, virar regra. “Mulheres negras tendem a valorizar e priorizar relações com os homens negros, mas o contrário não acontece”, afirma. Segundo a autora, algo que explicaria essa escolha seria o desejo de ascensão social projetada e uma relação inter-racial, que faria o homem negro escolher a mulher branca; a interiorização do “embranquecimento” da família numa tentativa de negação da sua origem e, por fim, o desejo construído (social e midiaticamente) em torno da mulher branca.
Publicado
em 2010, “Virou Regra?” já vendeu cerca de cinco mil exemplares e
continua sendo polêmico por discutir afetividades e subjetividades,
campo pouco explorado pelo Movimento Negro ainda hoje. “A questão é
subjetiva, mas ao mesmo tempo traz uma consequência bem cruel: a solidão
da mulher negra”, conta a autora ao relatar que geralmente os homens
negros ficam indignados com o conteúdo do livro, enquanto as mulheres
negras, normalmente, se sentem acolhidas.
Há
um ponto bem polêmico no livro de Claudete que acaba dialogando com
bell hooks. Ambas falam sobre o comportamento do homem que milita na
causa negra. Sobre isso hooks escreve: "Mulheres heterossexuais chegam
ao movimento vindas de relacionamentos em que os homens foram cruéis,
nada gentis, violentos, infiéis. Muitos desses homens foram pensadores
radicais que participaram de movimentos por justiça social, falando em
nome dos trabalhadores, dos pobres, falando em nome da justiça racial.
No entanto, quando surge a questão de gênero são tão machistas como seus
companheiros conservadores.”
Resistência
O
poema “Reaja à violência racial: beije sua preta em praça pública" não
foi concebido como ato de resistência, mas se tornou no contexto de uma
sociedade racista que “diz a todo tempo que não somos capazes e
merecedores desse amor mútuo – de nenhum amor, na verdade”, considera o
poeta.
Lande
aponta que a baixa estima e os complexos no campo da afetividade
conseguem um dos efeitos mais aterradores do racismo: afasta homens
negros de mulheres negras e vice-versa. “Esse controle e reinvenção da
afetividade não são absolutos, mas são hegemônicos. Conseguem ainda
gerar padrões para atos, sentimentos e pensamentos racistas e
discriminatórios”, expõe.
Fica
evidente que falar de afetividade é preciso e, neste contexto, bell
hooks afirma em outro trecho de Vivendo de Amor: "No nosso processo de
resistência coletiva é tão importante atender as necessidades emocionais
quanto materiais."
Fonte: Mulher Negra
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