Para jurista, assassino de jovem negro foi absolvido por falhas da promotoria
A absolvição de Robert Zimmerman, indiciado pela morte de Trayvon Martin, no último sábado levantou uma onda de repudio nos Estados Unidos
O veredicto que, no último sábado, absolveu Robert
Zimmerman, indiciado por matar o adolescente negro Trayvon Martin, foi
amplamente repudiado nos Estados Unidos e motivou centenas de protestos
em todo o país. Segundo o professor Christopher Bracey, vice-reitor da
Faculdade de Direito da Universidade George Washington, a esperada
condenação por homicídio culposo não aconteceu por causa de erros da
promotoria. Mesmo assim, ele acha muito possível que Zimmerman enfrente
um processo federal por crime contra os direitos civis. Professor da
George Washington desde 2008 e formado em direito por Harvard, Bracey é
especialista em relações raciais nos EUA e julgamentos criminais, com
análises veiculadas pelos mais importantes órgãos da imprensa americana.
A seguir, trechos editados da entrevista:
Terra: Como o senhor avalia o trabalho da promotora especial designada para o caso?
Bracey: A promotora pegou um caso
difícil do ponto de vista político. Lembre-se, Zimmerman só foi preso e
indiciado após começarem os protestos. O caso judicial era relativamente
simples, entretanto. [...] Existiam provas suficientes para dar suporte
às duas acusações [homicídio em segundo grau ou culposo], com a de
homicídio culposo sendo a mais fácil de provar.
Infelizmente, a promotora cometeu vários erros táticos
no decorrer do julgamento. As testemunhas da acusação pareciam que não
queriam cooperar ou estavam despreparadas para depor. A própria
promotora não conseguiu explicar bem como a questão racial influenciou
na decisão de perseguir e, eventualmente, confrontar Trayvon. A
argumentação final da promotora poderia ter sido muito mais persuasiva.
Em retrospecto, tudo pode ser criticado. Mas neste caso
uma série de erros da promotoria levaram muitos de nós a achar que
existia uma grande possibilidade de ele ser absolvido.
As questões raciais afetaram a maneira como o
assassinato de Trayvon foi percebido porque, por bem ou por mal, a cor
da pele influencia cada aspecto de nossas vidas nos EUA
Terra: Como o problema racial afetou a percepção da opinião pública sobre a morte de Trayvon?
Bracey:
A questão racial esteve no
centro do caso, apesar de vários protestos em contrário. Vamos ser
francos. Trayvon era suspeito, aos olhos de Zimmerman, exatamente porque
não parecia pertencer à vizinhança. E por que ele não parecia
pertencer? Por causa da cor. Desde o início, Trayvon - o adolescente de
17 anos - foi descrito como um negro ameaçador circulando na vizinhança.
Zimmerman nunca viu Trayvon como uma pessoa. Ele apenas viu uma ilusão
criada em sua própria mente.
Além disso, os americanos brancos sempre consideraram a
vida dos negros e pardos menos preciosa. Mais dispensável. Isso
aconteceu durante a escravidão e continua sendo verdade. Alguns
consideram o assassinato de Trayvon infeliz, mas completamente
compreensível. Outros o veem como confirmação de que o racismo continua
muitíssimo vivo. Imagine se um morador negro perseguisse, atirasse e
matasse à queima-roupa um jovem branco de classe média que voltava da
loja onde tinha acabado de comprar doces numa noite chuvosa. Você acha
que a polícia teria o prendido imediatamente? Será que precisaria de
protestos nacionais para que o caso rendesse um indiciamento? Estaríamos
tendo esta conversa?
As questões raciais afetaram a maneira como o
assassinato de Trayvon foi percebido porque, por bem ou por mal, a cor
da pele influencia cada aspecto de nossas vidas nos EUA. É algo
entranhado em nossa consciência cultural. É parte de todos nós.
Terra: A primeira entrevista de Zimmerman foi
concedida a Sean Hannity, um comentarista de direita do canal Fox News. O
que isso representa para o debate sobre o controle das armas nos EUA?
Bracey: A ironia do julgamento de
Zimmerman é que ele transmite a mensagem errada. As leis de autodefesa
[da Flórida e outros estados] foram criadas para proteger possíveis
vítimas de crimes. Zimmerman não era uma possível vítima. Ele instigou o
crime. Ele foi o agressor. Ele seguiu Trayvon de carro. Ele saiu do
carro e perseguiu Trayvon. Ele puxou briga. E ele terminou a briga
quando disparou o tiro fatal no peito de Trayvon. A maioria das pessoas
acha que as leis de autodefesa da Florida foram criadas para proteger os
Trayvons de um mundo que há Zimmermans soltos por aí.
Vendo a questão de outro modo, Zimmerman talvez tenha
sorte de que Trayvon não era mais parecido com Zimmerman. Se os dois
estivessem armados e “agissem em autodefesa,” um resultado muito
diferente e talvez até mais trágico teria ocorrido. É por isso que a
maioria dos americanos apoia mais restrições ao porte de arma. É simples
– menos armas significam menos oportunidades de desperdiçar vidas.
Terra: O condomínio em que Trayvon foi morto já
foi descrito como etnicamente diverso. O próprio Zimmerman é filho de
americano com peruana. Mas Trayvon, que era negro, foi visto como uma
ameaça. O que isso mostra sobre a discriminação racial nos EUA?
Bracey: É errado pensar que as minorias
raciais são imunes a estereótipos destrutivos ou não podem pensar ou
agir de maneiras tóxicas diante de outras raças. O mesmo é verdadeiro
para pessoas de origem mestiça. De fato, a maioria das pessoas nos EUA
já é mestiça em algum nível. A raça é uma construção social. Damos
sentido à cor e vivemos de acordo com o que pensamos. Não há motivo para
pensar que apenas os brancos fazem isso. Estereótipos são atalhos. Num
mundo em que a informação é limitada, todos nós dependemos de atalhos de
vez em quando. A discriminação é um desses atalhos. O triste é que
quando se usa isso o resultado geralmente é trágico.
Fonte: Terra
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