A Preciosa que existe em nós
Por: Alê de Mattos, da Preta&Gorda.
O ano é 1987, Nova York, bairro do
Harlem. Claireece "Preciosa" Jones (Gabourey Sidibe) é uma
adolescente de 16 anos que sofre uma série de privações durante sua juventude.
Violentada pelo pai (Rodney Jackson) e abusada pela mãe (Mo'Nique), ela cresce
irritada e sem qualquer tipo de amor. O fato de ser pobre e gorda também não a
ajuda nem um pouco. E, claro, esses abusos têm suas consequências, como a falta
de auto-estima que a faz se esconder do mundo e encobrir, por exemplo, o fato
de não saber ler ou escrever.
O nome do meio, Preciosa, é a
prova maior da ironia. Sua mãe (Mo'Nique), que não se cansa de tratá-la
mal física e verbalmente, vive do auxílio desemprego e a pensão que deveria ser
usada para cuidar da sua primeira neta. E esse "conforto" (com muitas
aspas) agora também está sob risco, o que coloca a protagonista ainda mais na
mira da sua megera matriarca. Tudo porque Preciosa está grávida de novo e, por
preconceitos da escola onde estudava, é convidada a ir para uma escola
especial.
A preta se protege do mundo
exterior de cara amarrada, sem dar muita atenção a ninguém, tentando ser o mais
invisível possível. Se refugia em pequenos devaneios, geralmente sonhando com a
possibilidade de ter um namorado branco e endinheirado e viver entre o glamour
e o amor que faltam na sua realidade. Quem começa a mudar isso é sua nova
professora, Sra. Blu Rain (Paula Patton), vai mostrando à Preciosa e suas
colegas de classe, um mundo de possibilidades e auxiliando a exorcizar seus próprios demônios.
Quando a gente assiste a esse
filme, montamos um flashback de todas as coisas que já vivenciamos quanto
meninas/mulheres pretas.
O filme todo te faz pensar, mas um dos pontos que me chamou
atenção foi bem no início do filme, quando a personagem se
olha no espelho e se imagina uma menininha loira, branca de cabelos lisos. O
espelho, reflete nada mais além daquilo que ela desejava ser: aceitável.
Num mundo onde padrões
específicos de beleza, ser preta e gorda não é das tarefas mais fáceis. Penso
em mulheres que não se olham como deveriam, não se amam como deveriam, por
simplesmente não terem tido o essencial da vida: o amor. E mesmo quando a gente
recebe o amor familiar e tal, existe uma guerra lá fora, onde ninguém perdoa
ninguém, onde o que você entende por certo, lá fora é errado e o que mais te
causa dor é oque vão usar contra você.
A escola é o primeiro acesso a
vida social e pode ser dos períodos mais cruéis para um ser humano. Uma parte
da minha vida que me lembro era de como eu odiava ir pra escola. Sempre sofri
muito. Lembro-me especificamente quando eu estava no 4º ano do ensino fundamental. Eu
era uma menina preta que não tinha muitos amigos. Tinha duas grandes amigas,
mas que nada podiam fazer a respeito pois se tornariam vítimas em potencial.
Tínhamos aula com uma professora chata que sempre se ausentava da sala de aula.
Quando isso ocorria, um grupo de meninos começavam a praticar bullying com todas
as crianças na sala. Uma dessas empresas que fabricam cadernos havia publicado
uma série de cadernos pequenos com fotos de animais em extinção. Todos na
escola tinham. Um deles era a foto de um Peixe-Boi Marinho. Adivinhem meu
apelido? Pois é... Eu sofria muito. Me sentia humilhada, envergonhada, só sabia
chorar. E foi assim durante anos, sempre a mesma perseguição, exclusão dos
meios.
A influência da opinião das
pessoas a respeito de nós mesmas causa cicatrizes terríveis que a gente carrega
para o resto da vida. Sair da adolescência para a vida adulta com toda a carga
de opressão nas costas é complicado. Pra trabalhar nossa auto-estima depois é
uma luta diária! Uma guerra contra nós mesmas. Demorou muitos anos para que eu
olhasse pra mim e me visse como uma mulher bonita, pra me aceitar como sou,
saber que mesmo não fazendo parte de um padrão determinado por racistas, eu sou
uma mulher bonita em todos os sentidos.
Crianças gordas, adolescentes,
mulheres pretas são conduzidas a experiências sexuais precocemente, e acabam por
achar normal toda essa sexualização excessiva focada em seu corpo. Passam a
crer que nada mais tem a oferecer a não ser o sexo e acreditam fielmente que a
única maneira de se incluir socialmente ou de se relacionar com o sexo oposto.
Somos mais do que uma simples
casca. Somos mulheres guerreiras que estão sempre botando a cara contra o
sistema. Somos mulheres que lutam pela própria sobrevivência e dos seus. Somos
lindas pq temos todas as características de nossos ancestrais. Temos o direito
de sermos respeitadas socialmente, afetivamente, sexualmente como toda e
qualquer mulher. Quando por inúmeras vezes digo “ame-se”, é justamente
reconhecer em si um ser digno de amor. Reconhecer em si todas as
características que te fazem bela e que ninguém nesse mundo tem direito de
tirar de você.
Ame-se com todas as forças.
Respeite-se e exija respeito. Lute por respeito. Seja Preciosa. Beijocas!
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