Mulher negra é supostamente boa para o sexo e para as relações superficiais
Janaína Bittencourt tem 24 anos. Foi criada no Plano Piloto. Ela
e o irmão eram os únicos negros da escola particular em que estudava.
Seu último relacionamento durou mais de dois anos, com um homem de mesma
cor. Solteira, tomou uma decisão: quer um marido negro.
“Demorei muito para me enxergar como uma pessoa potencialmente bonita.
Na fase escolar, não me lembro de ter sofrido aquele racismo duro.
Passei a enxergar isso por volta de 13, 14 anos, quando a gente se
interessa pelos meninos. Todo mundo tinha um parzinho, menos eu.
Atribuía isso ao fato de não ser bonita. Identificava que tinha uma
estética diferente daquela que na escola era importante, como o cabelo
liso, por exemplo. Enfim, essas coisas que, depois de adulto, a gente
aprende a relevar. O meu papel, naquela época, era o da amiga que faz a
ponte para as outras ficarem na festinha.
Os homens mais velhos
me notavam mais. Acredito que sempre despertei o apetite sexual deles. A
abordagem comigo era sempre muito direta, não tinham o cuidado que
tinham com as meninas brancas. É isso que pega na autoestima. Se eu
ficasse com alguém, nunca tinha brecha para virar uma coisa a mais.
A
família do branco tem sempre uma resistência maior. Era sempre um
momento de tensão. Ficava na dúvida em dizer: ‘Avisa a seus pais que sou
negra’. O primeiro rapaz pelo qual me apaixonei, aos 18 anos, era muito
tranquilo em relação à questão racial. Quando fui conhecer a família
dele, porém, a mãe dele ficou meio chocada, não conseguiu disfarçar.
Pensei que era coisa da minha cabeça. Mas, depois disso, ele terminou.
Dois meses depois, estava namorando uma menina branca.
O que
muita gente não enxerga é que a preterição das mulheres negras é algo
que a sociedade nos ensina. A mulher negra supostamente é boa para o
sexo e para as relações superficiais, mas não para o casamento. Nesse
jogo, as mulheres ficam relegadas até para os negros. É uma pequena
morte você não ser viável para ninguém, nem para quem deveria ser seu
par natural.
Eu me relacionei com homens brancos, mas o custo
era muito pesado. Não tinha liberdade de sair com as minhas tranças, se
elas não tivessem com a manutenção certinha na raiz. A sociedade não
está preparada para a estética negra. O homem negro, talvez por ter uma
mãe negra em casa, entende que o cabelo crespo amassa quando você dorme.
Com o homem branco, é sempre um processo. Tinha que acordar mais cedo,
passar uma água para o cabelo ficar mais ou menos. Namorar um homem
branco é ter que passar por essas questões que não sei se quero. Demorei
muito para me enxergar como uma pessoa bonita, passível de
relacionamento, e agora não tenho que passar por tudo isso de novo.
O
casamento implica, inclusive, ter filhos, e filhos negros. E, para
algumas pessoas, isso é um terror. Talvez nem associando à cor da pele,
mas ao cabelo duro. Por isso, muitas mulheres negras começam a amenizar
os traços para entrar em uma estética tida como mais bonita. Eu quero
que meus filhos sejam negros, que tragam na pele o simbolismo que minha
família tem. Sou criticada quando falo isso. Uma tia falava que a gente
tinha que ter essa preocupação de amenizar os nossos traços. Acho isso
uma violência.
As mulheres brancas, via de regra, se casam mais,
consolidam família, permanecem mais tempo casadas. Antigamente, para a
mulher branca, o futuro almejado era ser esposa e dona de casa. Já as
mulheres negras tinham que trabalhar para se sustentar. Para as negras,
que durante muito tempo nem poderiam se casar, a família acontecia sem a
presença de um homem. Por isso, entendo que exista essa fixação de se
casar no papel. É a afirmação de uma afetividade que sempre lhes foi
negada.”
Flávia Duarte - Revista do CB
Publicação:03/09/2013
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