O preconceito e a opressão de seus belos cachos


Por Kauê Vieira para +Preta Gorda 



Meus dedos coçam e minha cabeça dá nó quando penso em racismo.  Sim, sou negro, nascido na periferia, filho de mãe preta e pai branco. Sim, como todos os negros sofri preconceito ao longo da minha vida, aliás, sofro, afinal de contas no Brasil o preconceito está presente como um espírito vagando. Para muitos ele vive num mundo distante da realidade diária, todavia, eu penso diferente e afirmo que ele caminha junto com os passos das pessoas apressadas. Em um país como o nosso, que carrega cicatrizes e traumas não superados, entre outras coisas de uma ditadura militar de mais de 20 anos e de uma escravidão que dizimou centenas de negros durante mais de 300 anos (1530-1888) e até hoje foi “esclarecida” com uma simples assinatura, não é possível dizer que exista convivência harmônica, que não exista exclusão e racismo.

Os negros chegaram ao Brasil em função do aumento da produção de açúcar na metade do século XVI. Vindos de diversas partes da África, estas pessoas foram trazidas para o outro lado do Atlântico pelos portugueses no que ficou conhecido como navios negreiros. Estas embarcações carregavam milhares de pessoas, crianças, adultos, homens, mulheres grávidas, idosos, todos amontoados uns em cima dos outros. Não existiam ao menos banheiros, as necessidades eram feitas ali mesmo, no improviso. Por causa disso, muitos morreram no meio do caminho, vítimas de pragas e doenças causadas pelas condições subumanas. Os corpos eram lançados ao mar. Depois de passar por tudo isso, os negros eram distribuídos aos senhores de engenho e forçados a trabalhar horas a fio sem alimentação digna e direitos. As mulheres (sempre elas) sofreram ainda mais, pois além de servirem seus sinhôs, muitas eram abusadas sexualmente.

Após muito penar, os negros reagiram e formaram comunidades com o intuito de mudar este panorama, os quilombos. Os primeiros surgiram no período do Brasil Colônia e o mais conhecido deles é o dos Palmares, localizado no município de União dos Palmares, nas Alagoas. Um de seus líderes mais importantes foi Zumbi, que sucedeu Ganga Zumba. Durante o período em que Zumbi dos Palmares esteve à frente, o quilombo teve seu momento militar mais forte. Posteriormente ele foi traído por um de seus aliados e capturado. Sua cabeça foi decepada a exposta em praça pública, uma espécie de demonstração de poder do homem branco, endossado pelos presentes por meio de aplausos e xingamentos. Enfim, no dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, filha de D. Pedro II, assinou a Lei Áurea, que a partir desta data, libertava todos os escravos. 

Ao ler tudo isso se pensa que o Brasil mudou, evoluiu e trouxe os negros para perto de si. Pois se enganam os que disseram sim. Livres, os negros continuavam presos, já que o governo nada fez para inseri-los no mercado de trabalho, tampouco os integrou ao convívio em sociedade. O reflexo desta negligência é sentido até os dias de hoje. Atualmente, mesmo com um avanço considerado, os negros se encontram à margem do que atende por sociedade. Em um país onde 50% de sua população se declara preta ou parda soa até irônico a falta de participação dos negros na rotina diária. Houveram sim avanços, mas aos olhos de um preto da periferia da maior cidade do país, esse crescimento ainda é insuficiente diante de tantas injustiças. Voltando ao mote deste texto, o preconceito está por aí, velado, vagando mesmo. Ele chega quando você menos espera, seja ao fazer compras numa loja e ser atacado por olhares estranhos e até de medo ("esse pretinho tem uma cara de ladrão", diz a mulher comprando roupas) ou quando seu amigo branco pode  entrar num mísero bar sem problemas e você precisa ser revistado por um segurança, que na maioria das vezes é negro como você. 

Outro trauma da falta de capacidade do Brasil em lidar com a verdade são as rodas de amigos. Pergunte a qualquer negro que consegue (sim, não são todos) cursar uma faculdade se ele não se sente intimidado ao perceber que em uma sala de 40 alunos, meia dúzia são negros. Experiência própria, ele se sente sim. Aproveite e peça que este ou esta jovem diga como se sente ao perceber que as revistas e meios de comunicação dizem que cabelo crespo é feio e que preto tem cabelo ruim. Em determinados momentos ele vai raspar a cabeça para ter a falsa sensação de inclusão e ela vai em busca de alisamentos e químicas para oprimir seus belos cachos ou o que seria um incrível black power. Sim, essa é a realidade preconceituosa de um país que se baseia em uma cultura eurocêntrica. Ah, esse país tem mais de 50% de pessoas que se declaram pretas ou pardas. Se eu já disse isso? Sim, mas alguém parece ter ouvido?

Kauê Vieira - Jornalista, paulistano, filho de mãe negra e pai branco. Amante da música e dos esportes. 

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