20 anos da Didá
Por: Víviam Caroline, do Projeto Didá, para +Preta Gorda
Em
dezembro de 2013 o projeto Didá celebra 20 anos de existência. No princípio,
lembro-me como hoje, a ideia de uma banda exclusivamente feminina arrancava
diferentes emoções quando saia da boca de Neguinho do Samba. “Uma banda de
mulheres, mas, por quê?”. O maestro
pacientemente explicava: “Porque não existe e por que não uma banda de
mulheres?” Depois ele explicava que era um sonho antigo, que até já tinha
ensaiado duas investidas anteriores, mas, sem qualquer apoio, recuou, mas nunca
desistiu. Nós meninas quase crianças e outras quase mulheres sentíamos a
ansiedade de fazer O NOVO.
Mas,
o que de fato muda com a criação da Didá? Ao contrário do que muita gente pensa
a Didá não é o Olodum de saia. A Didá teve que construir o modo feminino de
fazer Samba Reggae e isso não se faz da noite pro dia. Primeiro foi necessário
vencer a própria insegurança instalada por séculos de machismo, como uma
certeza da autoincompetência depois precisávamos remexer, fuçar nas bases do
racismo grudadas do nosso subconsciente. E esse foi e tem sido o processo mais
doloroso e demorado. O significado de mulheres negras, grandes, gordas, altas,
baixinhas, magras, todas ocuparem a linha de frente do palco com ares de
nobreza ainda não pode ser narrado nesse momento da história. É algo lido por
nós de uma forma ainda rasa dada a
primazia da conquista. No futuro a leitura dos nossos descendentes poderá
melhor dar conta do feito que vive uma fase de elaboração/execução.
Não
vou me desdobrar para enumerar aspectos sociais onde as mulheres ainda estão
excluídas e desrespeitadas, basta olhar pro lado e constatar. Quero me
concentrar nos 20 anos de elaboração da cena ensaisticamente chamada de UM
OLHAR NÃO É SUFICIENTE. Olhar para a banda Didá no palco apenas uma vez não é
suficiente. Para iniciar uma compreensão é necessário olhar várias vezes. É
preciso enxergar as bocas, os cabelos, as formas totalmente fora da padronagem
eurocêntrica. Olhar a Banda Didá no palco é fazer um resgate, é puxar pela memória, lembrar de nossas
bisas, avós, mães que não viveram nem se imaginaram gingando com liberdade,
elaborando sua criatividade, superando diariamente suas habilidades matemáticas
e geográficas enquanto felizes e realizadas cantam canções que exaltam sua
beleza.
Olhar
para a Didá é pensar no tambor como o mundo, como um útero e é pelo tambor que
nascem as novas mulheres dentro do projeto. Para olhar a Didá mais
aproximadamente é necessário pensar no caminho que todas vem seguindo, que rota
ancestral é essa que negras mulheres vem trilhando.
O
olhar deve perceber o corpo e a sensualidade como dádiva e absolutamente
indisponível quem por ela não for escolhido. É compreender o corpo como
instrumento sagrado e habilitado para comunicar a própria história. É sentir
nos rodopios, na entrega absoluta, a força que rasga os mundos.
Ninguém
me contou. Eu mesma vi.
Sou
Víviam Caroline.
Diretora
de Projetos da Didá.
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