Joaquim Barbosa e as Cotas Raciais
“Cotas? Não, obrigado, eu estudei!”. A frase que você acabou
de ler já foi usada junto a uma foto de Joaquim Barbosa, juiz, negro e
presidente do STF. É óbvio que isso foi usado de forma tendenciosa para se
associar um negro de destaque a uma condição de prestígio e autoridade, mas não
para enaltecê-lo, e sim, para desqualificar a importância e o verdadeiro
sentido das cotas raciais. A seguir, vou explicar como só aquela frase do
início carrega tanta ignorância que chega a ser poético, pois, há muitas camadas
a serem compreendidas. Aliás, tantas camadas no significado da frase, que é até
um paradoxo, pois, sabemos, a ignorância não tem essa profundidade emocional.

Se fosse só pra debater a frase em si e as más intenções da
montagem com Joaquim Barbosa em posição sorridente e despeitada a um falso
assistencialismo, a conversa já teria acabado por aqui, mas tem mais. Tem gente
contrária ao governo, por exemplo, que é contra as cotas pelo lado conservador
particular e tem os que apenas são oposição política, gente que acusa o PT de
querer dar o peixe, sem ensinar a pescar, em troca de votos, de uma população
alienada por pequenas “esmolas” na ilusão de que são bem cuidados pelo papai
Brasil. Confesso que já tive uma certa aversão aos ‘bolsas-benefício’, mas a
grande verdade é que são duas medidas distintas que precisam caminhar juntas: O
imediatismo dos ‘bolsas-...’ e o médio/longo prazo das cotas. Não dá pra pedir
ao irmão pobre pra esperar até que o país seja justo, pois, desculpe o clichê –
muito pertinente - quem tem fome, tem pressa. Assim como não dá pra esperar que
esse irmão saia da miséria e vá direto pra uma cadeira na UFRJ, no Banco do
Brasil, por exemplo.
Já notamos o desprezo pelo negro e pelo pobre em geral,
pois, a população é chamada de preguiçosa por receber os ‘bolsas’, são acusados
de se fazer de coitadinhos e são cobrados que tentem se sair bem por pura
meritocracia. Olha quanta burrice!! Então ignoram – por maldade e por alienação
– que o pobre não tem, nem de longe, a mesma condição de disputar de igual pra
igual com o rico, e não é por causa do intelecto, pois, é comprovado que
cotistas obtêm ótimos rendimentos. É pelos obstáculos econômicos, raciais e
sociais enfrentados, ao passo que, da classe média pra cima, a população já
começa com menos N problemas a enfrentar. Não vou me aprofundar na questão de
crime hediondo contra a humanidade – escravidão – que justifica, além de social
– o resgate racial, passemos para mais um ponto analisado da frase de início.

Aliás, o próprio Barbosa já comentou que o Itamaraty, por
exemplo, é um órgão para o qual tentou vaga, mas foi submetido a um processo
subjetivo de avaliação e acabou reprovado. Mesmo entidade para onde,
recentemente, um estudante branco passou por ter se auto-declarado
negro/pardo/índio (nessas horas, todo brasileiro tem sangue crioulo). Um adendo
rápido, um dia, precisamos estabelecer a identidade pela genética, sei lá, por
critérios de descendência direta de negros, ou por porcentagem de DNA negro,
enfim, depender apenas do tom de pele e do apelo visual faz muita confusão e
fortalece o argumento de quem é contra utilizando a visão de que cotas são só
um meio de acesso fácil (infelizmente, nessas horas, a gente vê essas falhas no
processo).
Pegaram uma exceção e quiseram fazer de regra, sob o
discurso falsamente condescendente de que só querem que o negro e o pobre se
esforcem para garantir sua ascensão, como se o sistema estivesse propício a dar
espaço a todos. E ainda usam covardemente a imagem de negros pra ilustrar esse
outro mito de ‘não precisamos disso, não somos incapazes’, como se cotas
tivessem a ver com capacidade intelectual e não justiça de acessibilidade
social. Também adoram inventar negros/pardos/índios pra dizerem essas mesmas
baboseiras, mas com o diferencial de que vindo da nossa própria gente, as
mentiras ganham embasamento “esse é um negro lúcido”, li recentemente num vídeo
postado numa página de aversão a um certo partido político (pouco depois,
estava eu sendo xingado por aquela gente, pois, diante de tamanho retardo, não
fiquei sossegado enquanto não fui lá desaforá-los, perdoem-me a indelicadeza).
Nada com partidos políticos, pois, prefiro ser maduro e
olhar o lado social e o que ele precisa do governo – e demais órgãos afins -
que estiver vigorando. Se fosse pra querer derrubar reis por puro
conservadorismo, eu me sentiria apenas um anarquista e não um militante.
Fernando é negro, jornalista, sambista, sarcástico e um pretenso auto-proclamado observador da problemática contemporânea.
Fernando é negro, jornalista, sambista, sarcástico e um pretenso auto-proclamado observador da problemática contemporânea.
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