Racismo: Os Rastilhos da Revolta

Por que disparam sempre contra os negros? Os protestos da comunidade negra estenderam-se ao Missouri, depois de a polícia ter morto no passado sábado um jovem afroamericano, Michael Brow. Este nome junta-se aos de Trayvon Martin e Rodney King, jovens negros atacados por autoridades brancas e cujos casos foram o rastilho de importantes revoltas.14 de Agosto, 2014 - 17:15

Distúrbios, gás lacrimogéneo, manifestações e saques. Os Estados Unidos voltam a viver uma nova explosão de violência social provocada por um crime racial. A comunidade negra de Ferguson, um subúrbio de Saint Louis, no Estado de Missouri, encontra-se há quatro dias nas ruas por causa da morte do jovem negro Michael Brown, abatido por um agente da polícia no passado sábado.
As desigualdades económicas, aliadas à questão racial, são terreno fértil para tais explosões, principalmente em altura de crise económica. Existiram muitas ondas de violência similares, nos últimos anos, e, em todas, o detonador foi o mesmo: um agente da autoridade branco agride ou mata um negro impunemente.
"Sem justiça não haverá paz" ou "alto aos polícias assassinos" ouve-se, por estes dias, nas ruas de Ferguson. A morte do jovem, que tinha 18 anos e ia começar a universidade, sacudiu uma localidade de 21.000 habitantes, que na última década viu a minoria afroamericana passar a representar dois terços dos moradores, enquanto alvos são uma ampla maioria entre governantes e a polícia. Só três dos 53 agentes da Polícia de Ferguson são negros, enquanto dos seis membros do Conselho Municipal só um não é branco.
As autoridades dizem que Brown, 18 anos, foi baleado depois de uma luta. Mas ainda não está nada claro sobre o que realmente aconteceu no sábado. Segundo a versão do chefe da polícia do condado de Saint Louis, Jon Belmar, tudo começou quando um agente da polícia - ainda não identificado - encontrou Brown e “outro indivíduo” numa rua. Um deles empurrou o agente, que se encontrava dentro do carro, e "atacou-o". O agente ter-se-ia defendido disparando com a sua arma.
 O "outro indivíduo" é Dorian Johnson, que assegurou a uma televisão local, a WALB, que ele e Brown tinham ido a uma loja e caminhavam de regresso a casa quando um oficial lhes pediu que deixassem de andar na estrada e fossem para o passeio. Johnson diz que continuaram a caminhar por onde tinham vindo e que isso fez com que o polícia se sentisse provocado e saísse do carro-patrulha. “O polícia disparou, assustamo-nos e preparamo-nos para fugir. Depois, voltou a disparar, o meu amigo ouviu o tiro, virou-se e levantou as mãos. O agente aproximou-se e deu-lhe um tiro no peito. Não lhe estávamos a fazer mal nenhum, estávamos completamente desarmados”. Brown caiu morto a 10 metros da viatura.
Em três dias, os distúrbios provocaram mais de 45 detenções, saques, uso de gás lacrimogéneo por parte da polícia e restrições de voo sobre a localidade. Entre os últimos incidentes, ocorridos na quarta-feira, há a detenção de dois jornalistas e de um vereador que cobriam as manifestações através das redes sociais. A polícia local, com uniforme e veículos de aparência militar, usou de novo gás lacrimogéneo para dispersar os protestos. Alguns manifestantes asseguraram terem sido atingidos por balas de borracha. Os agentes alegaram ter sido atacados com cocktails molotov.
Os pais do jovem pediram aos manifestantes, através da comunicação social, que levem a cabo o seu protesto de forma pacífica, porque assim quereria o seu filho, um jovem que descrevem como tranquilo. "Violência não, só justiça", disse aos jornalistas a mãe de Brown, Lesley McSpadden. A família de Brown escolheu o mesmo advogado que representou a família de Trayvon Martin, Benjamin Crump, que ontem criticou de imediato a decisão da polícia de não revelar o nome do agente que matou o adolescente em Ferguson.
Barack Obama disse: “a morte de Michael Brown é de partir o coração, a Michelle e eu enviamos as nossas mais profundas condolências à sua família e comunidade, nestes tempos muito difíceis." Obama disse que "os acontecimentos dos últimos dias levaram a fortes paixões”, mas exortou todos em Ferguson e em todo o país para lembrar "este jovem através da reflexão e da compreensão."
O grupo de legisladores afroamericanos do Congresso pediu ao Departamento de Justiça que investigue exaustivamente a morte do jovem Brown e a sua presidente, Martha Fudge, assegurou que "teve provas de discriminação racial no departamento no passado recente". Para Fudge, só as autoridades federais têm "a experiência e os recursos" suficientes para abordar este caso. As autoridades locais e o FBI iniciaram duas investigações separadas.
Um conflito latente
O nome Michael Brown junta-se ao de Trayvon Martin e Rodney King, jovens negros atacados por forças da autoridade branca e cujos casos foram o pavio de importantes revoltas num país em que persiste uma forte discriminação racial.
A desigualdade económica e a discriminação racial estão na origem de um conflito social latente na maior potência mundial. Para ilustrar o seu modelo social, cabe desatacar que, com mais de dois milhões de pessoas nas suas prisões, os Estados Unidos são o país do mundo com mais pessoas presas. Continua a condenar cidadãos à pena de morte e, pese embora ter um presidente negro na Casa Branca, as enormes desigualdades continuam unidas à questão racial. Se só atendermos à população negra entre grades, 2,5% dos afroamericanos estão na prisão.
Paralelamente, segundo a Southern Poverty Law Center, que monitoriza e estuda os grupos de ódio nos Estados Unidos há 30 anos, o número de grupos racistas passou de 602 em 2010 a mais de 1.200 na atualidade. Algumas das causas do fenómeno, localizado sobretudo no norte e no sudeste do país, são a hostilidade branca para com o Presidente Obama, as mudanças demográficas, as assimetrias entre ricos e pobres, e o aumento do número de imigrantes ilegais.
A última vez que estourou o conflito racial foi em fevereiro de 2012, com a morte de Trayvon Martin, de 17 anos. Foi atingido na cabeça pela bala de um membro de uma das polémicas patrulhas paramilitares de vigilância de bairro. Apesar do jovem estar desarmado, o autor do homicídio, George Zimmerman, foi absolvido pelo júri. Esta decisão provocou a ira e os protestos da comunidade negra, aos que se juntou o movimento Occupy Wall Street. Nessa altura, Obama fez umas das suas mais ousadas declarações: "se tivesse um filho parecer-se-ia com Trayvon".
Durante estes protestos, que foram enormes, mas onde não existiram grandes incidentes, os manifestantes vestiam camisolas com carapuço, como Martin usava quando morreu. "Os hoodies (camisolas) e skittles (doces) são um símbolo. Não podem atropelar os nossos direitos. Trayvon morreu simplesmente porque usava uma camisola com carapuço", disse um estudante que participou nas manifestações.
Protesto com hoodies e skittles.Protesto com hoodies e skittles.
No ano passado, celebrou-se o 50º aniversário da famosa marcha sobre Washington, em que o reverendo Martin Luther King fez o seu famoso discurso "Tenho um sonho" (I have a dream), que conseguiu juntar entre 200.000 a 300.000 norte-americanos.
Martin Luther King III, filho do reverendo, pediu perante a multidão que se prossiga com a luta, que faz 50 anos desde que a geração do seu pai a iniciou. Instou às dezenas de milhar de pessoas reunidas em Washington a "não dar nem um passo atrás" na luta pelos seus direitos, e recordou que o sonho que Luther King disse ter faz meio século e ainda está inacabado nos Estados Unidos da América. Fez questão de frisar que "a jornada pela luta dos direitos civis" ainda não terminou, e usou o caso de Martin como exemplo, bem como as leis de alguns estados dos Estados Unidos que facilitam a detenção de algumas pessoas em função da sua origem. “A cor da pele continua a ser uma licença para prender, deter ou inclusive assassinar alguém", denunciou. Uma luta pelos direitos civis remonta aos primeiros abolicionistas quando gritaram aos esclavagistas: I am a man! (sou um homem).
Em 1992, Rodney King converteu-se num símbolo dos maiores distúrbios sociais da história de Los Angeles, depois de a polícia o ter espancado violentamente (ver vídeo abaixo). A 2 de março de 1991 conduzia alcoolizado quando foi mandado parar pelos agentes, que o agrediram brutalmente com pistolas taser. A cena foi captada por um vídeo amador, o que fez com que em pouco tempo o mundo inteiro pudesse ver nas suas televisões a violência injustificada dos agentes da polícia.
Milhares de pessoas em Los Angeles, principalmente jovens negros e latinos, uniram-se no que foi frequentemente apresentado como um “distúrbio racial”, levando a cabo várias infrações da lei, incluindo pilhagens, fogo posto e assassinatos. Ao todo, entre 50 e 60 pessoas morreram durante os distúrbios e mais de 2.000 ficaram feridas.
Durante as jornadas de violência, depois dos agentes terem sido absolvidos em tribunal, ocorreram mais de 36.000 incêndios, 11.000 edifícios destruídos, 10.000 pessoas foram detidas pela polícia, das quais 42% eram afroamericanos, 44% hispanos, 9% alvos, e 2% de outra etnia. 
Artigo publicado em Publico.es

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